A arte de ser o empreendedor de si mesmo e outras necessidades do mundo corporativo
“Ninguém é líder de ninguém, sem antes ser seu próprio líder”
Por Wady Cury*.
Daqui para frente, no rescaldo da pandemia, vai ser mais complexo conceber o que é uma empresa porque, na prática, enquanto instituição estabelecida, com matriz, salas de reunião e cafezinho, ela pode nem existir. Será mais um conceito do que um endereço o que, nem de longe, a torna menos idônea. Ao contrário: sem o figurino tradicional, terá que se provar eficaz a cada dia: ávida por transformações, globalmente integrada e esbanjando dinamismo, sempre pronta a ser mais inovadora que a imaginação do cliente, sem nunca deixar de ser genuína.
Como se vê, as prerrogativas da empresa do futuro ficaram mais pontuais e a crise de saúde pública do novo coronavírus transformou essa empresa do futuro em empresa do presente. Antecipamos a inovação em uma década, quebrando paradigmas de companhias que resistiam herculeamente ao trabalho home office, por exemplo. Elas tiveram que engolir o novo modus operandi do dia para a noite como sendo o tal novo normal. Mas o termo, apesar de castigado pela mídia, é só mais uma frase de efeito vazia. Porque é o normal que é o novo, aquele que pressupõe inovar.
Em um encontro da cúria romana no final de 2019, o Papa Francisco afirmou que não estamos vivendo uma época de mudanças, mas uma mudança de época, referindo-se à necessidade de a igreja sair da inércia e se deixar interrogar. Sem intenção, o santo pontífice deu uma lição corporativa de inovação.
Convencionou-se dizer que os colaboradores requeridos pelas então nomeadas empresas do futuro são aqueles que pensam fora da caixa. A pergunta é: que caixa? Não existe mais caixa, não existe mais se quer o ambiente corporativo nos moldes tradicionais. Ele agora é o seu escritório residencial, sua sala-de-estar, com cachorro latindo e crianças correndo. E quer saber? Isso pouco importa.
Porque o que se espera do profissional que vai manter os alicerces ideológicos da nova empresa é que ele seja, antes de mais nada, um empreendedor de si mesmo, independentemente de onde esteja.
Porque a COVID-19 causou o distanciamento físico, mas não o social ou intelectual. Ao contrário: talvez tenha sido criada uma grande peneira, que está tornando possível ver, com mais clareza, quem eram os verdadeiros empreendedores do time.
São pessoas com visão holística, que não perdem o fio da meada do que está acontecendo ao redor e oferecem habilidade e determinação com o objetivo de imprimir mudanças necessárias. Reconhecem que conhecimento técnico e acadêmico são importantes, mas que nada supera a criatividade, a competência e a vontade de empreender.
Este empreendedor, que atende à empresa do futuro, compreende que, no mundo corporativo, é permitido pular a cerca do lugar comum e ir em busca do relevante, do que ainda não foi feito. Traçar planos. Estar disponível para aprender mesmo diante dos desafios, sem terceirizar o sucesso ou o insucesso. Desenvolver habilidades, ser otimista, genuíno e determinado, sem deixar de ser resiliente diante dos obstáculos recorrentes. Porque as necessidades mudam e, portanto, as experiências também se alteram.
Mas essas prerrogativas não fecham questão sobre quem é o empreendedor de si mesmo. Para fazer jus ao termo, ele não pode se resumir ao seu perfil empresarial. Isso o faria apenas mais um empreendedor. O empreendedor de si mesmo é empreendedor 24 horas por dia porque no topo de sua lista de prioridades está sua qualidade de vida e sua satisfação pessoal. Ele entende que seu principal cliente é ele mesmo e que o sucesso é subjetivo, podendo morar numa grande conquista ou numa pequena realização.
Cliente tem sempre razão?
Quem tende a se beneficiar com o resultado de toda essa revolução de costumes é o cliente. Mas nem sempre ele estará preparado para ser surpreendido e entender sobre os novos modelos de negócios. Às vezes precisará ser aculturado. Mas esse não deve ser um entrave porque, potencialmente, o cliente preza os valores das companhias nas quais confia e quer ser surpreendido. Quando encantamos o cliente estamos dando a oportunidade de ele nos tratar bem.
Mas atenção: o contrário também acontece. Levar em consideração o que a demanda quer é um exercício de inteligência emocional da nova safra de empreendedores. Porque o pior cego é aquele que só vê o que os outros querem que ele veja. Ouvir o cliente, entender suas resistências e pontos de vista, com empatia, é o caminho para o crescimento sustentável de toda carteira.
Os próximos capítulos
O empreendedor de si mesmo só consegue desenvolver e praticar as aptidões que o identificam se estiver focado nas tendências de mercado porque não se constrói o futuro com a mente “do” e “no” presente.
Vale lembrar que um líder sempre olha onde vai pisar e não onde está pisando. É como se estivesse constantemente com um olho no microscópio – naquilo que não pode deixar de fazer – e outro no telescópio – no que ainda não aconteceu. Porque, como cantou Toquinho, o futuro é uma astronave que tentamos pilotar, segurando firme o manche para não perder altura e nem desviar da rota a ser seguida.
*Wady Cury, engenheiro, securitário por mais de 39 anos, sócio fundador do IBDS e atualmente diretor técnico da Sancor Seguros Brasil.